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É preciso evitar mais do mesmo

Paulo Roberto Guedes | Consultor Associado da Sociedade Faria de Oliveira Advogados | 19 de Outubro de 2021

Como se sabe, nos milhares de livros já publicados, mesmo diante de formas diferentes de se conceituar, uma característica comum e geralmente aceita é a de que o conjunto de estudos que se faz sobre os fenômenos econômicos, seja classificado como ciência. Outra característica não contestada é a de que esse conjunto de estudos refere-se a uma ciência social.

De fato, ao se compreender a essência da ciência econômica (“ciência social que estuda a produção, a organização e a distribuição de bens econômicos e serviços”), percebe-se que ela não está limitada somente à busca da eficiência produtiva, principalmente se for em detrimento de outros objetivos também importantes e que fazem parte dos objetivos dos estudos econômicos. Como claramente se depreende da definição, é essencial que também se busque a melhor forma de se distribuir a produção dos bens e serviços produzidos, de forma a manter os cidadãos, responsáveis pela produção, justa e corretamente recompesados. Portanto, encontrar soluções simultaneas, a problemas econômicos e sociais, faz parte dos propósitos da ciência econômica.

Apenas como exemplo, já que foi tema exaustivamente discutido aqui no Brasil assim que surgiu a pandemia da Covid-19, a própria Constituição brasileira proíbe que se escolha entre saúde e economia, sendo claramente explícito que as políticas econômicas devem promover a saúde, e nunca o contrário. O texto constitucional, em seu artigo 5º, garante que o direito à vida e à saúde deve prevalecer quando discutidos os objetivos econômicos. E diz o artigo 196: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”.

Não há qualquer dúvida: a ciência econômica é meio e seu objetivo principal é o bem estar universal da sociedade no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades básicas (pelo menos) de bens econômicos e serviços.

Consequentemente, o “exercício da economia”, isto é, o estabelecimento de políticas econômicas precisa ter como finalidade a criação de condições concretas para que todo cidadão, além de participar do processo de produção, também seja incluído, via distribuição de renda, do respectivo e justo processo de consumo.

Reconhece-se, indiscutivelmente, que a desigualdade, o desemprego, a pandemia, a concentração de renda, os impactos tecnológicos e as mudanças climáticas, apenas para citar alguns exemplos, manterão as agendas de todos os governantes, políticos e executivos muito ocupadas, assim como manterão bastante ativos os diversos movimentos sociais que representam essas aspirações. Muitas são as demandas e diversos são os temas, mas é óbvio que todos os países precisam reorganizar suas economias, criar e estabelecer políticas econômicas eficazes, nas quais a melhoria das condições de vida, principalmente dos mais necessitados, seja objetivo inquestionável. Combate ininterrupto à pandemia e políticas de geração de empregos e de combate à desigualdade, através do aumento da abrangência e da melhoria dos serviços públicos, notamente voltadas à saúde, educação, habitação e de proteção ao meio ambiente, fazem parte do repertório mínimo.

Na reunião do Fórum Econômico Mundial de Janeiro de 2020, portanto ainda antes da pandemia, além das preocupações com o meio ambiente, um dos temas que mais chamou a atenção foi o aumento da desigualdade, tendo certo consenso, entre outras propostas, a necessidade de se requalificar os trabalhadores para o mundo do futuro, pois sem isso, mais pessoas estarão sujeitas ao desemprego e à subutilização, o que por si sós, geram descontentamento e questionamentos sobre quase tudo. Inclusive com respeito ao sistema capitalista e aos regimes políticos. Depois, com a pandemia, tudo piorou e não faltam exemplos de lideranças populistas e demagogas que, aproveitando-se desse descontentamento, se propõem a “vender soluções mágicas”, desde que, e aí vem o perigo, tenham “poder total e centralizado”, colocando em risco a própria Democracia.

É evidente que quando os governos, por quaisquer motivos que sejam – pandêmicos, econômicos, financeiros ou políticos -, não conseguem mais atender as principais necessidades da população que governam, tudo se torna mais difícil e “romper” com o estado vigente parece ser para muitos, a solução.

Acredito que diante da situação atual, de descrédito com a política e de total desconfiança com relação às instituições estabelecidas, a desesperança de um futuro melhor tenha sido o principal fator de ‘esgarçamento’ do sociedade e aumento da tensão social. “De um modo geral, as pessoas se mostraram menos otimistas e menos confiantes com as instituições e nos efeitos das mudanças tecnológicas” (1), concluiu a pesquisa da Edelman Trust Barometer, publicada no Fórum aqui já citado (mais de 34 mil pessoas de 28 países diferentes foram consultadas). “A confiança, de acordo com o levantamento, vem sendo minada por uma crescente sensação de desigualdade e de injustiça”, resumiu o enviado especial do Estadão a Davos, jornalista Rolf Kuntz (2).

Portanto, os projetos para o futuro não podem ser resumidos em medidas que apenas enfatizem a busca pela eficiência do processo produtivo, quando, na verdade, devem buscar a eficácia econômica, isto é, trabalhar para que se diminua, efetivamente, a desigualdade em todas as suas variáveis.

Inevitavelmente o mundo precisa de muito mais, pois repetir parte do que se fez até agora, além de não resolver problemas estruturais sérios e condenar a maioria da população mundial à pobreza, quando não à miséria, ainda facilitará os movimentos antidemocráticos, autoritários e de intolerância! Como já se viu antes e se vê agora, criando excelente campo para demagogos, populistas e ditadores, de esquerda ou de direita.

O mundo não pode se limitar apenas às diversas, imprescindíveis e necessárias reformas estruturais ou da adoção de novas e mais modernas tecnologias, de processos produtivos mais sofisticados ou de interconectividade, mas sim, iniciar um movimento que aumente o grau de conscientização de seus habitantes com respeito a tudo que envolve a sociedade, cujo principal objetivo tem que ser o próprio ser humano.

Como escreveu em seu livro Jacques Attali (3): “Será preciso conviver com ela (humanidade) tal como é. E esperar que ela se torne mais sábia, mais justa, mais livre, enfim, que se preocupe com o destino das gerações futuras”. O único caminho, ainda segundo Attali, “para evitar que as crianças de hoje sofram com uma pandemia aos 10 anos, uma ditadura aos 20 e um desastre climático aos 30”, é “que passemos, sem demora, da economia da sobrevivência para a economia da vida”. Estou de pleno e total acordo.

(1) “O fato é que, com o avanço da tecnologia e com as tarefas desempenhadas pelos trabalhadores divididas em diversas etapas, os donos dos meios de produção puderam aos poucos ir substituindo as etapas mais simples e repetitivas pelas máquinas. E aí, aos trabalhadores que eram responsáveis por essas etapas só restou a opção de aceitar ganhar menos e se tornar responsável (com sorte) por alguma outra etapa mais simples do processo produtivo, que a tecnologia ainda não fora capaz de substituir por uma máquina”, escreveu Eduardo Moreira (engenheiro e economista, fundador da Brasil Plural e da Genial Investimentos), em seu livro “Desilgualdade & caminhos para uma sociedade mais justa”, publicado pela Civilização Brasileira em 2019;

(2) A mesma pesquisa citada anteriormente também mostrou desconfiança em relação ao capitalismo: 56% dos consultados acreditam que o capitalismo em sua forma atual produz mais mal do que bem. 61% também disseram que a tecnologia muda muito rapidamente e 83% disseram ter medo de perder o emprego por causa da automação, da falta de treinamento, da competição estrangeira ou da presença de imigrantes dispostos a ganhar menos (Jornalista e economista Rolf Kuntz, em artigo publicado no Estadão em 20.01.20);

(3) “A economia da Vida”, livro publicado pela Vestígio em 2021, foi escrito por Jacques Attali, professor e ex-assessor especial do presidente francês François Miterrand.

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