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A descarbonização do planeta é urgente e imprescindível

Paulo Roberto Guedes | Consultor Associado da Sociedade Faria de Oliveira Advogados | 20 de Julho de 2023

De acordo com o relatório do IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, publicado no mês de março passado, escreveu o editorial do Estadão dia 26 daquele mesmo mês: “O mundo caminha para uma catástrofe ambiental, mas ainda é possível evitar o pior cenário”. E concluiu: “O futuro se define hoje e não há alternativa para a humanidade além de descarbonizar o planeta o mais rápido possível”.

Quem acompanha os noticiários sabe, por exemplo, que o derretimento de geleiras, o aquecimento e o aumento do nível dos mares, bem como da temperatura média mundial vem, já a algum tempo, atingindo recordes, numa demonstração inequívoca de que alguma coisa precisa ser feita. Com eficácia e urgência.

Entre outros posicionamentos, afirmou ainda Hoesung Lee, presidente do IPCC: “As mudanças abrangem todos os setores da vida e da economia: indústria e transporte menos poluidores, maior participação de energias renováveis na matriz global, produção de alimentos mais sustentável, uso racional e equilibrado do solo e dos recursos naturais”.

O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, já em 2022 indicava, como única forma de se manter o aumento do aquecimento global em 1,5ºC, “a necessidade de se reduzir em 45% a emissão de gases de efeito estufa até 2030”. Uma das principais e urgentes providências? Segundo o Sr. Gustau Mánez Gomis, representante do programa, a adoção de programas concretos para descarbonização das atividades de transporte, responsáveis, em 2020, por aproximadamente 20% das emissões de gases de efeito estufa no mundo.

Considerando-se, portanto, que ter matrizes energética e de transporte mais limpas e sustentáveis está se transformando em objetivo de todos, e que o hidrogênio verde, como substituto de combustíveis fósseis, tem se mostrado como uma das melhores alternativas, é que Usula der Leyen, presidente da União Europeia (UE), em visita ao Brasil no início do mês de junho, anunciou investimentos na ordem dos € 2 bilhões no Brasil. País, que como se sabe, tem no modal rodoviário 85% das emissões de dióxido de carbono gerados no setor de transporte, mesmo representando, em termos de TKU (tonelagem por quilômetro útil) 62% do total.

Não há qualquer dúvida que um país como o Brasil, que possui uma matriz elétrica renovável invejável (85% limpa), além de ter a possibilidade de aumentar ainda mais outras fontes de energia “não poluidoras”, chame a atenção dos países com sérias dificuldades para alcançar suas metas de descarbonização. Mas isso exigirá que o País se estruture de forma a produzir grandes quantidades de ‘hidrogênio verde’. Infelizmente, como demonstra reportagem da jornalista Denise Luna do Estadão (26/06/23), “dos 359 projetos envolvendo o produto (hidrogênio verde) pelo mundo, o País é o responsável por apenas um, em Suape, Pernambuco”.

Menos mal, e não se pode deixar de ressaltar, é que as empresas brasileiras, para produzir hidrogênio verde, mais do que subsídios, querem regras claras, já existindo no Ibama, conforme informação do secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, Rodrigo Rollemberg, em entrevista para a jornalista Amanda Pupo, do Estadão, dia 06 pp., solicitações de licença de funcionamento de usinas eólicas offshore suficientes para dobrar a capacidade de geração elétrica brasileira. “É impressionante o número de empresas de grande porte que têm procurado o governo com interesse na produção de hidrogênio – que pode ser gerado, entre outros processos, por meio da energia produzida pelas usinas eólicas”, complementou Rollemberg.

O Estadão, do dia 14 do mês passado, comentou a respeito de um estudo realizado pela Building the Green Hydrogen Economy (Construindo a Economia do Hidrogênio Verde), do BCG (Boston Consulting Group), no qual se destaca o papel essencial e fundamental do hidrogênio verde na “descarbonização de indústrias com maior dificuldade de reduzir suas emissões, como a siderúrgica, a química e aviação”. Não à toa, espera-se “uma explosão de demanda” e dos níveis de investimento relacionados.

Ainda segundo essa reportagem do Estadão, o BCG estima que entre 2025 e 2050, governos e empresas de todo o mundo destinarão “entre US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões para a produção e transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono”. Como dizem diversos especialistas, entre eles o CEO da Bosch da América Latina, Sr. Gastón Diaz Perez, “o centro das discussões ambientais é a descarbonização, e não a eletrificação”.

Os desastres provocados pelas alterações do clima e a forma como ainda se ‘maltrata’ a natureza atualmente, apenas evidenciam a necessidade de serem adotadas providências urgentes, posto que os impactos negativos na vida de toda a humanidade, direta e indiretamente, caso nada seja feito, serão cada vez maiores. E se de uma forma geral, já não era concretamente admitido pela grande maioria, a crise climática e a pandemia do Covid.19 obrigaram que se reconhecesse a fragilidade da situação econômica, social e política do mundo atual, forçando toda a sociedade a se mobilizar para alcançar, entre outros objetivos também nobres, melhorias nos índices relacionados à saúde, igualdade, pobreza, discriminação e racismo, e proteção do meio-ambiente.

Evidencia-se, de forma crescente, que enquanto investidores e empresários começam a defender conceitos de “economia circular”, “economia da vida”, “capitalismo consciente” e “ESG”, os consumidores, principalmente os mais jovens, preferem adquirir bens e serviços de empresas que, além dos valores morais e éticos já consagrados pela sociedade, também praticam atividades que podem ser caracterizadas como de “responsabilidade social”, dispondo-se, inclusive, a pagar mais por produtos e serviços oriundos de empresas com essas características.

Consequentemente, e a partir do momento no qual discussões a respeito das questões ambientais, sociais e de governança (ESG) tomaram maior espaço, principalmente no momento em que se demonstra que essa agenda é um elemento de geração de valor, o setor empresarial, mesmo ainda com muitas incertezas, notadamente no Brasil, se viu obrigado a verificar, mais concretamente, se suas ações estavam gerando os resultados esperados. E o que se viu foi, segundo os sócios seniores da McKinsey, Ulrich Weihe e Thomas Weskamp, uma mudança de prioridades: “a) usar uma mistura mais ecológica de combustíveis; b) recapturar o calor desperdiçado; c) adquirir eletricidade produzida de forma renovável; e d) maximizar a eficiência energética.

Seleção de fornecedores e clientes e estratégias de portfólio verde, são outros exemplos de providências adotadas, principalmente diante das pressões regulatórias ou de investidores. Um exemplo é o IIGCC, Institutional Investors Group on Climate Change, que reúne investidores ‘ocupados’ com o meio ambiente, posto que já anunciou o Net Zero Engagement Initiative (NZEI), programa que tem como objetivo, “escalar e acelerar o engajamento corporativo relacionado ao clima”. Segundo informações da própria CEO do IIGCC, Stephanie Pfeifer, a iniciativa define as “expectativas para planos confiáveis de transição para uma economia “carbono neutro”, incluindo recomendações para compromissos abrangentes para o processo de transição, metas alinhadas de emissões de gases de efeito estufa, rastreamento de desempenho de emissões e uma estratégia de descarbonização confiável”.

E os exemplos vão se multiplicando: a indústria química, responsável por aproximadamente 3,6% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em todo o mundo, segundo estudos da McKinsey, quer adquirir ou fazer parceria com fornecedores de matérias-primas com baixo teor de carbono, de forma a aumentar a participação de matéria-prima reciclada ou de base biológica. Sempre com o objetivo de “reduzir as emissões tanto para cima quanto para baixo na cadeia de valor”; uma grande gestora global de investimentos alternativos, a Apollo, já colocou no mercado o seu “Apollo Clean Transition Capital” (ACT Capital), programa de investimentos de cerca de US$ 4 bilhões, voltado especificamente para as empresas que querem instalar processos de transição para energia limpa e uma indústria sustentável. Os investimentos ocorrerão “em áreas como transição energética, descarbonização industrial, mobilidade sustentável, uso sustentável de recursos e imóveis sustentáveis”.

A empresa espanhola Iberdrola, provedora global de energia e eletricidade, e que em 2017 comprou 60% do grupo brasileiro Neoenergia (empresa de geração de energia eólica e hídrica), anunciou um novo compromisso para que mais de 85% de suas compras sejam feitas de fornecedores que cumpram os critérios ESG, já a partir deste ano (https://www.esgtoday.com/iberdrola-to-require-suppliers-representing-85-of-spend-to-meet-esg-criterial/). Isso resultará na promoção de melhores práticas em 20.000 fornecedores e que representam compras de quase € 18 bilhões.

Pelo menos 10 mil empresas estrangeiras “terão que intensificar seus relatórios de sustentabilidade sob as regras da União Europeia que entrarão em vigor a partir dos próximos anos, em um esforço regulatório para aumentar a visibilidade sobre tudo, desde as emissões de gases de efeito estufa das empresas até as diferenças salariais entre gêneros” (estudo realizado pela Refinity, empresa de dados financeiros e divulgado recentemente no The Wall Street Journal).

Não há dúvidas de que as mudanças climáticas, diferentemente de outras épocas, estão sendo devidamente consideradas quando, tanto o setor público quanto o privado, planejam o futuro. Temas voltados à proteção das pessoas e dos ativos, à manutenção de climas organizacionais e físicos mais saudáveis e suportáveis para todos, aumento da resiliência, redução de exposição, aumento da eficiência energética e diminuição da emissão de GEE, utilização de produtos e insumos menos poluidores, entre outros, estão cada vez mais presentes nas agendas de empresários e políticos de todos os espectros.

Os objetivos brasileiros, mais especificamente, não estão somente vinculados aos processos de descarbonização, mas na necessidade de se “aproveitar essa pegada para fazer uma transformação no setor produtivo brasileiro, e que se torne uma vantagem para o Brasil, não apenas um custo. Até porque o custo de não fazer nada seria maior”, disse Rafael Dubeux, assessor especial do ministro Fernando Haddad, ao Estadão/Broadcast.

Não à toa, o próprio Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) realiza estudos para elaborar um projeto de lei que defina metas de redução de emissão de gases de efeito estufa para todos os segmentos econômicos brasileiros.

Operadores logísticos, por sua vez, já sabem que ao oferecerem soluções de transporte de carbono neutro, não só estarão protegendo o meio ambiente como criando vantagens competitivas, na medida em que convertem ‘compliance’ em oportunidades comercial e de aumento incremental de receita.

Ou, como explica Rafael Fanchini, CEO da Verda: “a descarbonização do setor de logística, tanto pela dimensão tecnológica quanto financeira, se apresenta como um enorme desafio a essas empresas”, posto que “instrumentos de créditos de carbono, combinados com tecnologia aplicada, permitem que seja oferecido, ao mercado, produtos e serviços de transporte neutros sob o ponto de vista de ‘pegadas de carbono’”. Não deixa de ser atrativo, já que possibilita converter “desafios regulatórios em alavancas de geração de valor, fundamental para o financiamento da transição tecnológica que se exige”.

A empresa Verda foi quem desenvolveu uma plataforma (Eco Transportation), marketplace flexível, que de forma organizada e transparente, e para todos os modais e em todas as etapas do transporte, realiza o cálculo granular da ‘pegada’ de carbono, por viagem, produto, cliente e item. Faz a compensação granular dessa ‘pegada’ e produz, em tempo real, todas as informações pertinentes, incluindo todos os aspectos formais como registro das transações e aposentadoria de créditos utilizados na compensação junto às certificadoras.

Portanto, as participações de governos e empresas privadas, assim como das pessoas tornam-se essenciais. E mesmo considerando que o tema “proteção ao meio ambiente” ainda seja algo discutível para alguns, é fundamental que as empresas, por exemplo, incluam técnicas mais modernas de combate, controle e diminuição dos níveis de poluição. No limite de suas atuações há um conjunto enorme de providências que não exigem esforços ou investimentos ‘espetaculares’.

Exemplos:

a) Adequar as políticas empresariais às políticas ambientais já existentes e, quando possível, adiantar-se a elas de forma a atender as exigências dos seus clientes nesse “mister”;

b) Aumentar os níveis de eficiência em todos os processos operacionais, melhorando a produtividade dos equipamentos operados, notadamente nas atividades de transporte, instituindo processos de medição, inventários e auditoria relativos às emissões de GEE;

c) Estimular fornecedores, aí incluídos os prestadores de serviços de transporte, a: (i) total e correta observação à política ambiental estabelecida, bem como o devido respeito às normas e aos procedimentos instituídos; (ii) adoção de melhores práticas operacionais que, entre outras exigências, devem contemplar aumento de produtividade e maior eficiência energética;

d) Definir e adotar estratégias de compensação das ‘pegadas de carbono’ por meio de créditos de carbono como mecanismo imediato e transitório de mitigação dos impactos das mudanças climáticas, e complementar as iniciativas de redução das emissões de GEE (segundo o Acordo de Paris, os 197 países signatários precisarão estabelecer regulações compatíveis para que já em 2050 sejam consideradas “economias de carbono neutro”).

Com planos de ação semelhantes – e outros ainda melhores e mais inovadores – é possível produzir e prestar mais serviços e poluir menos, contribuindo efetivamente para que a sustentabilidade, no seu conceito mais amplo, possa ser exercida na sua plenitude, isto é, como definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987 e publicada no Relatório Brundtland: “Sustentabilidade é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”. Ainda há tempo!

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