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Democracia e Estado de Direito para todos

Paulo Roberto Guedes | Consultor Associado da Sociedade Faria de Oliveira Advogados | 19 de Agosto de 2022

Já há alguns anos eu venho defendendo que empresários e executivos, em quaisquer áreas de atuação, precisam entender que suas ações impactam a vida de milhares de pessoas e que, o mínimo a se esperar de cada um deles, é a capacitação suficiente para isso seja compreendido de forma correta, completa e abrangente.

Compreender a grandiosidade de se trabalhar para a melhoria de vida de todos aqueles que ‘giram’ em torno das empresas – colaboradores/fornecedores ou consumidores/clientes, é fundamental, assim como conhecer os reais impactos gerados junto à toda a sociedade de tudo aquilo que se faz, pois ao final de tudo, de um jeito ou de outro, essas ações geram efeitos – para o bem ou para o mal – para a vida de todos.
O avanço tecnológico inerente às atividades produtivas têm gerado impactos na vida dos cidadãos, da sociedade, da economia e também da política. Constata-se, entre outros efeitos, que proveniente desses avanços, e correspondentes melhorias dos processos operacionais, houve significativa diminuição no número de empregos de menor qualificação, sem a devida correspondência quantitativa no aumento no número de empregos de maior qualificação. Novos empregos que, além de exigirem maior conhecimento, capacitação e postura voltada à inovação, não tem contribuido, diferentemente de outras épocas, para o efetivo aumento no número de postos de trabalho.

De fato, a compreensível busca por melhorias operacionais tem exigido aperfeiçoamento, aprendizado e capacitação constantes, mas que tem privilegiado as pessoas melhores formadas. Considerando um país como o Brasil, geralmente e com as exceções de sempre, pessoas geralmente pertencentes às classes mais ricas da população.

Esse processo, que parece inexorável e persistente, ocorre também nos países desenvolvidos, nos quais as tarefas mecânicas, rotineiras ou que, via avanço tecnológico, são substituídas pelas “máquinas”, vão aumentando a produtividade daqueles que ficam mas, infelizmente, expulsando do mercado de trabalho a mão-de-obra menos qualificada. Acredito, inclusive, que esse tipo de “desemprego estrutural”, com impactos econômicos, sociais e políticos significativos, ainda não é devida e corretamente analisado.

Por outro lado, o economista francês Thomas Piketty, há cerca de 6 ou 7 anos, ao escrever “O Capital no Século XXI”, procurou demonstrar, com clareza e números reais que “o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx, mas, ao contrário do que o otimismo dominante após a Segunda Guerra Mundial costuma sugerir, a estrutura básica do capital e da desigualdade permaneceu relativamente inalterada”, traduzindo-se “numa concentração cada vez maior da riqueza, um círculo vicioso da desigualdade que, a um nível extremo, pode levar a um descontetamento geral e até ameçar os valores democráticos” (grifos meus).

Piketty fez outra observação que vale à pena reescrever: “deve-se sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos” (grifos meus).
A Diretora Geral do FMI, Christine Lagarde, por sua vez tem dito que “apesar do crescimento econômico, um número excessivo de pessoas está ficando para trás” (grifos meus).

Analisadas as economias mais avançadas, constatou-se uma clara tendência, desde 1990 e até agora, de aumento da desigualdade. “Mas se olharmos para as economias emergentes e em desenvolvimento, o quadro é mais complexo”.
O professor Paul Collier, da Universidade de Oxford, em seu livro “O futuro do capitalismo”, comenta o fato de que o processo de concentração de renda, generalisado em quase todo o mundo, não é inerente ao capitalismo, mas sim a uma “falha de funcionamento que pode e deve ser corrigida”. E, ao contrário de propostas nostálgicas e de retorno ao passado, defendidas por populistas nacionalistas que adotam políticas cada vez mais excludentes, ele sugere a restauração da política e da sociedade inclusiva (grifos meus) como caminho para que se crie um mundo mais ético, no qual o Estado, a Família e a Empresa, desenvolvam papéis igualmente éticos. Corretíssimo!

É certo que além da evolução tecnológica e a forma como evolui o Capitalismo, aqui rapidamente comentados, não são os únicos responsáveis pelo aumento do desemprego e da desigualdade. Uma nova estrutura da força de trabalho (mais mulheres trabalhando, aumento do subemprego e do emprego informal etc.), o descaso com a educação e a destruição das principais políticas sociais, como vem acontecendo aqui no Brasil, a pandemia e a guerra na Ucrânia, também contribuíram para o agravamento desses problemas, aumentando ainda mais as incertezas e a insegurança com relação ao futuro.

Nesta crise pela qual passa o Brasil, um dos maiores problemas – se não o maior, posto que tem impactos sociais gravíssimos – é, sem qualquer dúvida, o desemprego, posto que este gera muitos outros, como aumento da desigualdade e da concentração de renda, por exemplo.

No Brasil, no segundo trimestre de 2022, o índice Gini, que mede o grau de concentração de renda de um país (de zero a um, quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade), chegou a 0,51. Número ainda alto, considerando que na grande maioria dos países desenvolvidos o índice não chega a 0,45. No Japão, Canadá, Alemanha, Noruega, Dinamarca e Suécia, por exemplo, esse índice está entre 0,25 e 0,30.

Informações geradas pelo 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, dão conta que 58,7% dos domicílios brasileiros, que representam 125,2 milhões de pessoas, não têm “acesso pleno e permanente de alimentos”, isto é, vivem com ‘insegurança alimentar’. Dentre esses, há 33,1 milhões que, literalmente, ‘passam fome’. Ou seja, em 2022, 15,5% de todos os brasileiros passaram fome, contra 9,0% no último trimestre de 2020. Ainda, segundo o documento, a incidência da segurança alimentar é extremamente mais alta “nas famílias lideradas por mulheres, por pessoas negras ou pardas e por indivíduos com baixa escolaridade”.

Paralelamente, em artigo publicado no jornal o Estado de São Paulo, dia 7 pp, o jornalista e economista José Fucs, ao comentar sobre a possibilidade de avanços da esquerda na América Latina, foi claro ao dizer que a “crise econômica e pandemia encorpam descontentamento que reverte ascensão conservadora e favorece ressurgimento da esquerda da região”. Mas Fucs cita, também, o que disse o cientista político Nicolás Saldías, da EIU (Economist Intelligence Unit): “as pessoas falam de uma ‘maré rosa’, mas o que está acontecendo é uma maré contra os incumbentes (grifos meus). “Elas estão votando contra os governos anteriores, independentemente de serem de direita ou esquerda”.

Portanto, parece-me que no momento atual, aqui no Brasil, deveríamos estar discutindo muito mais propostas e soluções que combatam esses problemas e muitíssimo menos aquelas de caráter ideológico, principalmente porque caracterizam-se pela ignorância e total desconhecimento.

Com a aproximação das eleições deverá haver aumento da polarização política e a agressividade entre direita e esquerda. E isso, a meu ver, exigirá que a sociedade civil brasileira, consciente dos reais valores da nação e bem informada, isto é, ignorando as ‘fake-news’, assuma posições claras e de proteção às instituições constituídas.

Somente com a participação concreta e contínua desse conjunto da sociedade, que no entanto precisa ficar distante das ‘benesses e dos favores’ estatais, é que o País terá condições para sair da crise na qual se encontra. Seja na assunção de suas responsabilidades ou, como escrito anteriormente, compreendendo que de um jeito ou de outro, as ações de cada um afetam – para o bem ou para o mal – a vida de todos.
As chances do Brasil progredir serão cada vez menores caso esses problemas – desemprego, desigualdade, concentração de renda e miséria – não sejam, pelo menos, encarados de frente e por toda a sociedade. Sem políticas que busquem a inclusão de todos nos processos produtivo e de distribuição de renda será muito difícil. A revista Conjuntura Econômica, em sua edição de agosto de 2022 (“Combate à Pobreza”), faz uma análise importante sobre o assunto.

Ainda recentemente, no dia 11 pp, duas cartas importantes foram divulgadas na Faculdade de Direito da USP no Largo de São Francisco, em São Paulo, por uma parte significativa da sociedade civil, intelectual, empresarial e sindical, para defender a Democracia e o Estado de Direito. Curvar-se à vontade da democracia, deixar as divergências menores de lado, respeitar a Constituição e trabalhar à favor da ordem democrática, foram as principais palavras de ordem. Mas, ouso complementar, é preciso mais!

A sociedade civil precisa estar permanentemente mobilizada na defesa da Democracia, como vem fazendo ultimamente, mas também precisa pressionar e atuar para que se busquem soluções que amenizem os problemas da grande maioria da população brasileira, sem o que, nada mais terá importância. Queiramos ou não, a discussão sobre política, sociedade e economia chegou à mesa de discussão de todos e ninguém poderá ficar de fora.

Assim como são inegociáveis a Democracia e o Estado de Direito, também deveriam ser as políticas públicas que promovam o crescimento econômico, o emprego e a educação, estimulem a pesquisa e a ciência, como forma de se estudar de forma correta o novo momento, assim como as políticas sociais que protegem os mais carentes e desemparados. Não é uma discussão ideológica, mas a simples compreensão de que Democracia e Estado de Direito são imprescindíveis, principalmente quando alcançados em sua plenitude e valendo para todos.

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