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Os problemas do mundo, a geopolítica e as corporações empresariais

Paulo Roberto Guedes | Consultor Associado da Sociedade Faria de Oliveira Advogados | 12 de Julho de 2022

Embora pareçam óbvios, vale à pena comentar alguns dos temas discutidos na última reunião do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos na última semana de maio deste ano.

Evidente que a pandemia e a guerra na Ucrânia dominaram as discussões, uma vez que esses eventos, quase que simultaneamente nestes últimos anos, desestruturaram a economia e o comércio mundiais, desorganizaram a produção e as cadeias logísticas, inibiram o consumo, desviaram recursos produtivos para o segmento bélico e militar e, consequentemente, levaram os níveis de inflação e de insegurança para patamares muito acima daqueles com os quais o mundo estava acostumado. Uma tragédia cujos efeitos, muitos ainda desconhecidos, serão mantidos por muitos anos. À ressaltar, inclusive, que a guerra Ucrânia Rússia ainda não tem data para terminar o que, simplesmente, aumenta incertezas e riscos.

Outros assuntos, não menos importantes, tais como o futuro da globalização, transição energética, mudança climática, saúde, educação e, principalmente, desigualdade e segurança alimentar, também foram destaques nas discussões que tomaram conta do evento. Segundo o Fórum, a pandemia já havia demonstrado o “quão desigual” é o mundo atual, considerando que às 600 milhões de pessoas que viviam em “extrema pobreza” em todo o mundo no ano de 2017, foram adicionados mais 100 milhões!

Ao falar em desigualdade e segurança alimentar, se me permitem, uma breve observação com relação ao Brasil: pesquisa da Rede Penssan constata que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil atualmente. Considerado como um total retrocesso na luta contra a fome, a situação é muito pior agora, pois como disse Kiko Afonso, atual diretor-executivo da Ação da Cidadania, "o sentimento de indignação da sociedade brasileira hoje diante da fome de 33 milhões de brasileiros está muito aquém da indignação de 1993, diante da fome de 32 milhões. Estamos inertes como sociedade" (grifos meus). “6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar, isto é, 125,2 milhões de brasileiros vivem nessa condição. Passando fome em 2018 eram 5,8% de brasileiros, em 2020, 9,0% e em 2022, 15,5%! Uma tragédia!
Juntamente com a pandemia, não há qualquer dúvida que a invasão da Ucrânia pela Rússia também está se convertendo em uma das principais crises humanitárias deste início de século e o mundo todo, sofrendo todo tipo de consequência, precisará de muita criatividade e trabalho para minimizar seus efeitos maléficos, pois além de significativa diminuição da produção de um conjunto enorme de produtos, notadamente aqueles que eram produzidos na região e outros que foram ‘desviados’ para a produção bélica e a manutenção de exércitos, houve uma ruptura importante, quando não uma grande desorganização, em grande parte da cadeia mundial de suprimentos.

É evidente que essas transformações nas cadeias de valor, que também geram impactos no próprio processo de globalização, não raras vezes, colocam em confronto os interesses regionais e os interesses globais. Os primeiros, quase sempre de curto-prazo e eleitoreiros, pleiteados por políticos e governantes extremamente populistas e nacionalistas incorrigíveis, enquanto que os outros, mais estruturantes e de mais longo prazo, em agendas de ‘estadistas’, procuram se antecipar e prevenir. Agenda Nacional ou Interesse Global é, em muitos casos, a nova questão que se apresenta. As discussões da comunidade europeia, com respeito às diversas providências a serem tomadas com relação à guerra da Ucrânia ilustram essa ‘dicotomia’. São exemplos reais e atualíssimos. Como se vê, as discussões agora são outras!

Há que se destacar também, os impactos sobre dois outros sistemas fundamentais da vida moderna atual: o tecnológico e o financeiro, posto que, não corretamente administrados, interromperão o funcionamento de toda a sociedade mundial. Ninguém está livre de ‘ataques cibernéticos’ nem, tampouco, do aumento de riscos provocados pela diminuição do crédito ou desorganização da estrutura financeira existente. É muito possível que a falta de controle e de governança acelerarão a fragmentação digital e esta, por sua vez, fará com que sejam aumentadas as interrupções nas cadeias de suprimentos.
Na medida em que esses eventos ocorriam, e surpreendiam todo o mundo, as primeiras medidas adotadas estavam direcionadas para a compreensão dos fatos e para a diminuição dos seus impactos negativos. Porém, o momento atual, como tenho salientado em outros artigos, exigirá que se adotem, pelo menos e de forma inquestionável, quatro outras providências: a) aumentar a cooperação entre países; b) pressionar para que as grandes empresas de tecnologia e os governos nacionais estabeleçam um processo comum para “governança da privacidade de dados, do uso seguro e ético da inteligência artificial e da segurança cibernética”; c) incentivar para que as empresas se ocupem e iniciem estudos geopolíticos que lhe correspondam; d) preparar toda a sociedade mundial para o enfrentamento de eventos desse tipo, em futuros cada vez mais frequentes.
Ou há alguma dúvida que se as nações não cooperarem entre si e se fecharem ainda mais e continuarem a criar dificuldades para o livre funcionamento do comércio mundial, bem como da transferência de recursos e de tecnologia entre países, a produtividade mundial e a inovação cairão e as consequências imediatas serão aumento de inflação e queda da produção mundial?

As novas cadeias de suprimentos, que precisam ser mais resistentes que as anteriores por exemplo, exigirão um gerenciamento rápido e flexível, e as novas políticas com relação à energia precisarão ser voltadas ao combate à poluição e que propiciem maior segurança para os sistemas de abastecimento. A Europa, por exemplo, compreendeu de forma definitiva, mas também ‘custosa’, que não pode depender, como até então vinha dependendo, dos diversos tipos de energia fornecidos pela Rússia. Até porque, e além de tudo, são altamente poluentes e danosas ao meio-ambiente. Os ministros de energia do G-7, em recente reunião na Alemanha, ao afirmarem ser urgente realizar a transição para as energias renováveis, estabeleceram metas concretas para a instalação de “setores de eletricidade predominantemente descarbonizados até 2035”. É isso!

Diante de fatos como esses, conclui-se que o desenvolvimento tecnológico e a inovação deverão desempenhar papel ainda mais preponderante no mundo, notadamente a partir de agora, uma vez que a substituição dos sistemas energéticos atuais, por outros de menor impacto ambiental, é providência obrigatória. Vale ressaltar, porém, que uma “economia de baixo carbono” somente será alcançada com o envolvimento concreto e direto do mundo empresarial, tanto na produção como no consumo.

Indiscutivelmente, portanto, é necessário que todos ‘despertemos’ para problemas desse tipo que, como se vê, extrapolam as fronteiras empresariais ou de uma só nação, e implicam em decisões de caráter geopolítico. São temas que afetam a humanidade e o mundo como um todo, não podendo se limitar, e ainda separadamente, às discussões acadêmicas, científicas, tecnológicas, empresariais ou governamentais.

Pesquisa realizada pelo McKinsey ainda em março deste ano, junto a empresários e executivos de todo o mundo, concluiu que o “risco geopolítico desbancou a pandemia e a inflação como as maiores ameaças ao crescimento”, obrigando as empresas a refletirem sobre “vários aspectos do risco geopolítico e seus efeitos potenciais – nas operações de financiamento, organização, tecnologia, reputação e no próprio modelo de negócios – e construir resiliência em todas essas dimensões”. Corretíssimo!

Com tradução de Romina Cácia, o Estadão, dia 28 pp, publicou o um texto d’The Economist (“Por que o capital estrangeiro está saindo da China”) para explicar porque a “política linha-dura de Xi Jinping muda a percepção de investidores globais sobre o país”, pois mesmo considerando que “a China nunca tenha estado tão aberta aos fluxos de capital estrangeiro”, agora o país está muito mais inflexível do ponto de vista ideológico. “O risco da política aumentou notoriamente”, diz Neil Shearing, da consultoria Capital Economics.

Relatório Global Trends 2040, do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA indica que “os desafios que os riscos geopolíticos criam vão piorar”. Diz o relatório que “nas próximas duas décadas, a competição pela influência global provavelmente atingirá seu nível mais alto desde a Guerra Fria”, na medida em que os diversos atores, notadamente China, Rússia, EUA e EU, competirão “para promover suas ideologias, objetivos e interesses”. Como todos sabemos, na mesma proporção em que os atritos políticos se sucedem, interna ou externamente entre nações ou regiões, também aumentam as possibilidades de termos operações e atividades pessoais e empresariais afetadas em seus desempenhos. Executivos, empresários, empreendedores e investidores, automaticamente, ao também sofrerem essas pressões, serão forçados a buscar, por exemplo, equilíbrio entre as prioridades de mercado, curto ou longo prazo, interno ou externo.

Construir as chamadas “empresas resilientes”, tão em moda, somente será possível caso se dedique algum tempo para análises dos riscos geopolíticos existentes, cujas consequências, em face das tensões atuais são bastante claras e muito mais concretas. Será preciso que executivos, empresários, empreendedores e investidores desenvolvam ações que considerem os diversos impactos geopolíticos mundiais. Analisar eventos políticos (eleições presidenciais é um deles), identificar riscos potenciais diretos (a concorrência ou a possibilidade de interrupção na cadeia internacional de abastecimento) e riscos indiretos (como a fome ou a miséria), de forma a se preparar planos de ‘defesa’, parece ser imprescindível.

A Global Economics Intelligence, de abril deste ano, resumiu assim seus estudos a respeito do momento atual: “em meio à alta inflação e à guerra contínua na Ucrânia, a forte demanda persiste; as instituições de previsão reduzem as estimativas de crescimento”. Sendo que a maior parte dos analistas diminuiu todas as estimativas de crescimento econômico quando comparadas com as anteriores. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), ao prever crescimentos menores para os próximos dois anos, acredita que “puxada pela comida e pela energia, a inflação pressionará famílias em todo o mundo – e o quadro poderá piorar”. São grandes as possibilidades de uma “fragmentação geoeconômica”.

É como também concluiu o Fórum Econômico Mundial, pois ao se comprovar que a situação dos trabalhadores em todo o mundo piorou, e muito, com consequente aumento da desigualdade, inclusive entre nações, as críticas, mesmo que infundadas contra a globalização e a própria Democracia também se intensificaram. E se essa desconfiança aumentou, o risco, pelo menos para o mundo ocidental, é de todos!

Pois é, se o mundo já vinha passando por um processo importante de transformação, no qual a tecnologia gerava alterações significativas no funcionamento de toda a sociedade e em todos os campos, a pandemia e a guerra na Ucrânia, e a própria crise climática, acabaram por demonstrar que, apesar de toda a evolução da humanidade alcançada, a quantidade de riscos é maior do que se presumia. O mundo é muito mais vulnerável do que se poderia imaginar, forçando-nos a discutir o que fazer neste presente de forma a melhorar o futuro.

Portanto, qualquer planejamento de longo prazo exige que se desenhem, com relação ao futuro, os mais diversos cenários possíveis. Como escreveu a McKinsey em relatório aqui citado: “A gestão prudente dos riscos geopolíticos também requer a compreensão de como lidar com questões que ultrapassam fronteiras”. Aliás, vale à pena reproduzir o que disse o ex-CEO da Intel, Sr. Andy Grove: “Somente os paranoicos sobrevivem”, pois “com as mudanças tectônicas na geopolítica surgindo do ressurgimento da China no cenário global, uma crise climática e a Quarta Revolução Industrial, as empresas devem estar em guarda. Eles devem regularmente deixar de atender às necessidades imediatas de seus ambientes operacionais para aprender, adaptar e se preparar para choques e pressões externas e internas” (grifos meus).

O presidente do WEF, Børge Brende, e o sócio-gerente global da McKinsey, Bob Sternfels, ao apresentarem um texto no Fórum (“Resiliência para um crescimento sustentável e inclusivo”), procuraram demonstrar que é preciso avançar nas abordagens que enfatizam a interconexão de temas econômicos, sociais e de negócios. Anunciaram, inclusive, a criação de um “Consórcio de Resiliência”, no qual “governos, empresas e organizações do setor público podem acelerar a ação coletiva e permitir um investimento mais sistêmico nos impulsionadores e capacidades da resiliência global”.

Estarão nossas lideranças, políticas e empresariais preparadas para essa missão? Especificamente aqui no Brasil, as discussões eleitorais serão direcionadas para esses temas? À conferir.

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