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A realidade nos ensina sempre. Mas não haverá aprendizado se não a observarmos atenta e corretamente

Paulo Roberto Guedes | Consultor Associado da Sociedade Faria de Oliveira Advogados | 25 de Outubro de 2022

Mesmo com grandes possibilidades de perder o fornecimento de gás e petróleo, e correr riscos reais, caso o conflito Rússia Ucrânia, além de se prolongar, se expanda por todo o continente, a União Europeia não só se posicionou claramente contra a Rússia, como ainda participou concretamente da adoção de medidas de ajuda à Ucrânia.

Ao fazer o que muitos não esperavam, a UE, como de resto todo o mundo, compreendeu os graves riscos que passaria a correr caso Putin obtivesse êxito em sua ‘empreitada’, pois a invasão da Ucrânia, pelas tropas de Putin, colocou em ‘xeque’ não somente muitos dos valores democráticos, mas a própria Democracia e, no curto prazo, também a Globalização, pelo menos da forma como a conhecemos hoje.

Com relação à globalização, vale ressaltar aquilo que já escrevi outras vezes. Mesmo considerando insumos e produtos mais essenciais, será muito difícil qualquer país ‘viver de forma totalmente independente e voltado apenas para si’, por mais que sejam exacerbados os movimentos “nacionalistas”. Até porque a própria iniciativa privada, ao decidir sobre investimentos e rentabilidade de seus negócios, continuará procurando a forma mais eficaz, inclusive no que diz respeito à escolha e a localização dos mercados consumidores ou fornecedores. A própria China, totalmente interdependente de quase todo o mundo, é atualmente a maior protagonista da globalização. E como muito já se disse a respeito, a melhor resposta aos problemas gerados pela globalização e o excesso de liberalismo econômico (economias sem regras e/ou controles), não é voltar ao passado e defender a instalação de uma ditadura, como muitos apregoam, e sim, buscar uma forma mais eficaz de praticar a economia de mercado e a globalização, adaptados, obviamente, às novas realidades, nas quais o combate à desigualdade, imprescindível, seja de fato levada à sério.

De uma forma geral, todo o mundo ainda se sente inseguro, pois já haviam sido extremamente negativos os efeitos oriundos das interrupções na cadeia de suprimentos durante a pandemia, pois além de desorganizarem as estruturas produtivas em todo o mundo, também elevaram os preços da energia e de outros insumos importantes de forma bastante significativa. A persistência desses e outros efeitos tardios da pandemia e o fato de não se vislumbrar o término do conflito para breve, não ajudam em nada e aumentam ainda mais a complexidade daquilo que já era complicado.

Adicione-se a tudo isso, dois outros fatos importantes: as sanções econômicas aplicadas contra a Rússia já geram efeitos colaterais para todos, e os gastos militares e bélicos, em todo o mundo, mais notadamente nos países europeus e asiáticos, deverão aumentar, diminuindo, inevitavelmente, os recursos que seriam aplicados em atividades “mais pacíficas”. Maiores ‘déficits’ públicos e, como aqui já escrito, maiores possibilidades de inflação e juros altos. Observação: não há qualquer dúvida, enquanto a inflação perdurar o FED continuará aumentando as taxas de juros. Um dos impactos, que já se percebe no momento, é a valorização da moeda norte-americana.

Consequentemente, a desaceleração da economia mundial, para o primeiro semestre de 2023 já está contratada, e os cenários futuros são de incertezas e insegurança. Sentimentos, inclusive, que se refletem nas diversas pesquisas recentemente realizadas.

Opiniões de entrevistados em todo o mundo, em pesquisa realizada pela Mckinsey (Agosto de 2022: “Inflação, geopolítica e preocupações da cadeia de suprimentos são grandes”) por exemplo, indicam que quase metade deles acredita nas “questões geopolíticas” e na “instabilidade” como principais riscos para as economias de seus países. Na Europa, mais especificamente, a inflação é um dos riscos mais citados, enquanto na China, ainda a pandemia da Covid, e agora as discussões relativas à Taiwan, aparecem à frente como preocupações.
Nesse cenário, e não poderia ser diferente, esperam-se quedas significativas no ritmo de crescimento da economia mundial para os próximos meses. Riscos de recessão na Europa e nos EUA não estão descartados, nem tampouco as variáveis que pressionam a alta da inflação para taxas e duração indesejáveis.

Na pesquisa da McKinsey, aqui citada, somente um em cada cinco dos entrevistados acredita em melhorias recentes em suas economias”. Dos entrevistados, europeus e norte-americanos demonstraram maior pessimismo.

A desorganização da produção e das estruturas logísticas correspondentes parece eminente e pesquisas também demonstram que investidores, empresários, executivos e homens de negócios, ao analisarem a situação atual, concluem que a economia mundial está em condições piores do que a verificada no pico da pandemia. Acreditam, inclusive, que tudo pode piorar, deteriorando ainda mais as condições políticas e sociais de todo o mundo.

Mesmo reconhecendo seus defeitos, bem como a necessidade de se estabelecer profundas discussões a respeito, a Democracia, o Estado de Direito e a Economia de Mercado (incluindo aqui o fenômeno da globalização), ainda se mostram como os melhores caminhos para a prosperidade global, desde que sejam preservados ambientes de segurança e de respeito às instituições nacionais e mundiais vigentes. Parece-me claro, portanto, que estar à favor da Ucrânia, no conflito com a Rússia, é estar à favor desses valores. Acredito que é isso, entre outras razões, que EUA, UE e os principais países democráticos estão defendendo no momento.

No Brasil, pesquisas semelhantes indicam resultados muito parecidos se comparadas com aquelas aqui já citadas. Mas com um fator que agrava sobremaneira a situação, posto que neste País os aprendizes de ditadores, demagogos, populistas de sempre, tanto faz se da esquerda, centro ou direita, e a parte mais ignorante do empresariado nacional, ainda aproveitam o momento conturbado e o desgoverno instalado para radicalizarem suas posições e estimularem a polarização, impedindo que a sociedade consiga compreender tudo o que vem ocorrendo e discutir o que é, de fato, necessário. Pior, pois ainda propõem soluções que ignoram o mercado e nas quais os poderes legislativo e judiciário – se permitidos a funcionarem - sejam subordinados ao poder executivo. Chegam ao absurdo de, na disputa por votos de religiosos, transformarem a campanha em “rituais”, “sermões” e até em sessões de “exorcismo”, pois segundo dizem, os “demônios” estão à solta.

Em artigo recente eu escrevi que as chances do Brasil progredir, fora da Democracia e do Estado de Direito – ainda a melhor e a mais participativa forma de se organizar nações e países -, não existem. E diminuirão ainda mais caso problemas relacionados ao desemprego, à desigualdade, à concentração de renda e à miséria, não sejam encarados de frente e por toda a sociedade. É fundamental que a Democracia e o Estado de Direito sejam para todos, pois sem políticas que busquem a inclusão de toda a população nos processos produtivo e de distribuição de renda, não haverá saída. Queiramos ou não, a discussão sobre política, sociedade e economia chegou à mesa de discussão de todos e ninguém poderá ficar de fora.

Pois é, em todo o mundo, governantes e sociedade civil precisam refletir profundamente a respeito, inclusive e principalmente aqui no Brasil que vive época pré-eleitoral, pois assim como são inegociáveis os valores democráticos, também deveriam ser inegociáveis as políticas públicas que promovam o crescimento econômico, os investimentos em infraestrutura, emprego, saúde e educação e estimulem a pesquisa e a ciência, assim como as políticas sociais que protegem os mais carentes e desemparados. Não é uma discussão ideológica, mas a simples compreensão de que Democracia e Estado de Direito são imprescindíveis, principalmente quando alcançados em sua plenitude e valendo para todos. É o que a realidade está nos mostrando. Mas é preciso aprender.

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